O Ministério Público Federal (MPF) vai criar um fórum de monitoramento das violações à liberdade de imprensa e assédio judicial contra jornalistas e profissionais da imprensa. A medida será adotada por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro (PRDC-RJ). Por meio do fórum, serão elaboradas notas técnicas e propostas para lidar com a questão no âmbito do sistema de justiça.
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) deverá indicar até 10 representantes para participar dos debates. Além disso, foi aberto prazo para contribuições da sociedade civil com sugestões de atuação e subsídios técnicos. A primeira reunião do fórum está prevista para a primeira semana de março e será realizada de forma virtual.
Desde 2020, a PRDC-RJ investiga denúncias de assédio judicial contra o escritor e cineasta João Paulo Cuenca. Há suspeitas de que pastores da Igreja Universal do Reino de Deus estejam usando de forma inadequada o judiciário com objetivo de constranger o profissional. O caso vem sendo apurado em um inquérito civil público aberto após queixas apresentadas pela ABI.
No mês passado, uma audiência pública conduzida pela PRDC-RJ para debater o caso abriu espaço também para a exposição de outros episódios que envolveriam perseguição em decorrência da publicação de opiniões e reportagens. O evento mobilizou jornalistas e representantes de diversas entidades.
João Paulo Cuenca é autor de crônicas publicadas em diversos veículos de imprensa do país, como os jornais O Globo e Folha de S.Paulo e os portais The Intercept Brasil e Deutsche Welle Brasil. Também assina diversos livros, entre eles o romance Descobri que Estava Morto, vencedor em 2017 do Prêmio Literário Biblioteca Nacional.
Em 2020, uma postagem publicada em sua conta do Twitter lhe transformou em alvo de críticas. “O brasileiro só será livre quando o último Bolsonaro for enforcado nas tripas do último pastor da Igreja Universal”, escreveu. Diante da reação de um grande volume de usuários, Cuenca excluiu a mensagem e justificou-se dizendo que seu intuito não visava incitar o ódio, mas sim fazer um comentário irônico parafraseando Jean Meslier. O autor francês escreveu, no século 18, que “o homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre”.
Trabalhando na época para o Deutsche Welle Brasil, Cuenca teve seu contrato encerrado. Além disso, virou alvo de mais de 100 processos, distribuídos em diferentes estados. Um juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) chegou a determinar a suspensão de sua conta no Twitter em 2020, mas ele conseguiu reverteu a ordem judicial.
O escritor também já obteve decisões favoráveis. Em uma delas, a juíza Isabelle Sacramento Torturela, do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), mandou arquivar uma ação movida por um pastor. Embora tenha considerado que a postagem era de mau gosto, ela pontuou que seu texto é genérico e que não houve ofensas diretas. Citando outras decisões judiciais similares, a magistrada entendeu que não há danos morais uma vez que as postagens não foram dirigidas de forma individualizada ao pastor.
De acordo com a defesa de Cuenca, entre as diversas ações, há pedidos iguais e trechos que sugerem que foram produzidos a partir de um modelo. Seriam indícios de uma articulação corporativa contra a liberdade de expressão. Os advogados suspeitam que há uma coordenação da Igreja Universal do Reino de Deus. Eles consideram que a hipótese se reforça uma vez que muitos processos acabaram arquivados por abandono da causa pelos autores.